Por Gildo Gomes
O
filme o “Auto da Compadecida”, lançado em 10 de setembro do ano de 2000 e
dirigido por Guel Arraes, tornou-se um sucesso nacional surpreendente e muita
gente até hoje não se cansa de assisti-lo após tantas e tantas vezes. Sim, eu
sei que existem ensinamentos antibíblicos em sua mensagem, mas não pretendo
deter-me nisso no presente artigo. Ariano Suassuna, o autor da obra homônima é
um nordestino que nos orgulha pela genialidade. A escritora Raquel de Queiroz
chegou a dizer que uma das coisas mais deliciosas de sua vida foi ler essa obra
de Suassuna. E claro ler o livro é sempre mais gostoso que assistir o filme.
Recentemente enquanto lia um trecho do julgamento de João Grilo uma parte da
peça prendeu-me a atenção. No filme, o ator Matheus Natchergaele encarna o
personagem brilhantemente. Dirigindo-se
a Jesus, João Grilo, fala: “eu me lembro de uma vez que o padre João estava me
ensinado o catecismo, leu um pedaço do evangelho. Lá se dizia que ninguém sabe
o dia e a hora em que o dia do juízo será, nem homem, nem os anjos que estão no
céu, nem o filho. Somente o pai é que sabe. Está escrito lá assim mesmo? E aí
Manuel [Jesus] diz: Está. É no evangelho de São Marcos, capítulo treze,
versículo trinta e dois. E o João
Grilo diz: Isso é que é conhecer a Bíblia! O Senhor é protestante? E Jesus
responde: Sou não João, sou católico. E o João Grilo afirma: Pois na minha
terra, quando a gente vê uma pessoa boa e que entende de Bíblia, vai ver é
protestante.” [1]
Em
sua fala João Grilo, o “amarelo muito safado”, criado por Ariano afirma que em
sua terra, uma pessoa boa e que entende de Bíblia certamente era um protestante.
Como Ariano Suassuna vem de uma família evangélica da Paraíba a pergunta e a
conclusão de João Grilo diante de Jesus não deixa de demonstrar sua experiência
do que as pessoas diziam sobre os crentes e o conhecimento que possuíam da
Bíblia na sua época. Essa fama ainda hoje é citada, embora com bem menos força,
afinal houve um tempo que os protestantes eram chamados de “os Bíblias”. Com a
Reforma Protestante do século XVI e o princípio do “sola scriptura” (somente a
escritura), os evangélicos tornaram-se exímios estudiosos do livro santo. O
próprio reformador Martinho Lutero, tinha uma agenda semanal de muito estudo
bíblico com sua congregação. Em Wittenberg, na Igreja do Castelo, aos domingos
às 5h, Lutero pregava nas epístolas paulinas; às 9h pregação nos evangelhos
sinóticos; e à tarde pregação nos temas do Catecismo menor; nas segundas e
terças, Lutero pregava no Catecismo menor; na quarta-feira, pregação no
evangelho de Mateus; na quinta e sexta ele pregava nas Epístolas Gerais; e aos
sábados, o grande reformador pregava no Evangelho de João [2]. E foi na prática
lectio continua, ou seja, exposição
continua da Bíblia que a reforma produziu muitos teólogos e igrejas
biblicamente sólidas. A Escola Dominical, por exemplo, é uma criação dos
evangélicos no século XVIII na Inglaterra que tantas bênçãos produziu aos
ingleses e ainda hoje produz na sociedade mundial. Mas toda essa conquista
histórica e que acabou por gerar a fama expressa por João Grilo que os
protestantes são gente boa e bons de Bíblia, arrefeceu muito nas últimas
décadas. Evangélicos de hoje diferentes dos protestantes do passado sabem mais
sobre futebol, politica, religião, ciência e até de moda do que sobre a Bíblia.
Essa mudança de postura é resultado de várias causas negativas que por sua vez
resultaram em consequências desastrosas.
As
Causas
- Desinteresse pela exposição sistemática da doutrina bíblica;
- Liderança despreparada moral e biblicamente;
- A crença na filosofia equivocada de que o amor une e a doutrina divide;
- Pregadores superficiais com fama de erudição por citar o grego ou usar uma Bíblia de estudo; e fama de unção por rodopiar, tremer a voz e falar em línguas;
- Vida piedosa desleixada sem leitura da Bíblia, oração ou jejum;
- Profetismo e declarações de vida vitoriosa dissociadas da verdade bíblica;
- A busca por fama, dinheiro e posição na sociedade;
- A Bíblia interpretada à luz da filosofia, ciência, cultura, conveniências e tendências do mundo moderno e não por ela mesma sob a iluminação do Espírito Santo que inspirou profetas e apóstolos;
As
Consequências:
- Escândalos sem precedentes na história envolvendo evangélicos;
- Escolas dominicais vazias de pessoas e de conhecimento bíblico;
- Cultos de doutrina sem exposição clara e didática das verdades do evangelho como trindade, divindade e humanidade de Cristo, a personalidade do Espírito Santo, os dons e fruto do Espírito, a regeneração, a justificação, a eleição, a santificação e outras;
- Livros, revistas, sites, blogs e facebooks evangélicos com informações bíblicas distorcidas e descontextualizadas da vida prática das pessoas;
- Evangélicos com vergonha da pregação do verdadeiro evangelho;
- Falta de clareza nas declarações e tomadas de posições de denominações evangélicas. Vive-se a época de agradar a gregos e troianos;
- Cultos, campanhas e festas religiosas que mais parecem eventos sociais irreverentes e não um momento solene de louvor e adoração ao Senhor dos céus e da terra;
- Pregações que alimentam o ego e a autoestima ao invés de anunciar que os seguidores de Cristo devem renunciar a si mesmos, tomarem sua cruz e segui-lo;
Referências
Bibliográficas
[1]
SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida.
34ª. ed. Rio de Janeiro: Agir Editora Ltda, 1999. p 187,188
[2]
FERREIRA, Franklin. Os Servos de Deus.
1 ed. São Paulo: Editora Fiel, 2014. p 465
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