terça-feira, 20 de maio de 2014

JOÃO GRILO E OS PROTESTANTES BONS DE BÍBLIA

Por Gildo Gomes

O filme o “Auto da Compadecida”, lançado em 10 de setembro do ano de 2000 e dirigido por Guel Arraes, tornou-se um sucesso nacional surpreendente e muita gente até hoje não se cansa de assisti-lo após tantas e tantas vezes. Sim, eu sei que existem ensinamentos antibíblicos em sua mensagem, mas não pretendo deter-me nisso no presente artigo. Ariano Suassuna, o autor da obra homônima é um nordestino que nos orgulha pela genialidade. A escritora Raquel de Queiroz chegou a dizer que uma das coisas mais deliciosas de sua vida foi ler essa obra de Suassuna. E claro ler o livro é sempre mais gostoso que assistir o filme. Recentemente enquanto lia um trecho do julgamento de João Grilo uma parte da peça prendeu-me a atenção. No filme, o ator Matheus Natchergaele encarna o personagem brilhantemente. Dirigindo-se a Jesus, João Grilo, fala: “eu me lembro de uma vez que o padre João estava me ensinado o catecismo, leu um pedaço do evangelho. Lá se dizia que ninguém sabe o dia e a hora em que o dia do juízo será, nem homem, nem os anjos que estão no céu, nem o filho. Somente o pai é que sabe. Está escrito lá assim mesmo? E aí Manuel [Jesus] diz: Está. É no evangelho de São Marcos, capítulo treze, versículo trinta e dois. E o João Grilo diz: Isso é que é conhecer a Bíblia! O Senhor é protestante? E Jesus responde: Sou não João, sou católico. E o João Grilo afirma: Pois na minha terra, quando a gente vê uma pessoa boa e que entende de Bíblia, vai ver é protestante.” [1]
Em sua fala João Grilo, o “amarelo muito safado”, criado por Ariano afirma que em sua terra, uma pessoa boa e que entende de Bíblia certamente era um protestante. Como Ariano Suassuna vem de uma família evangélica da Paraíba a pergunta e a conclusão de João Grilo diante de Jesus não deixa de demonstrar sua experiência do que as pessoas diziam sobre os crentes e o conhecimento que possuíam da Bíblia na sua época. Essa fama ainda hoje é citada, embora com bem menos força, afinal houve um tempo que os protestantes eram chamados de “os Bíblias”. Com a Reforma Protestante do século XVI e o princípio do “sola scriptura” (somente a escritura), os evangélicos tornaram-se exímios estudiosos do livro santo. O próprio reformador Martinho Lutero, tinha uma agenda semanal de muito estudo bíblico com sua congregação. Em Wittenberg, na Igreja do Castelo, aos domingos às 5h, Lutero pregava nas epístolas paulinas; às 9h pregação nos evangelhos sinóticos; e à tarde pregação nos temas do Catecismo menor; nas segundas e terças, Lutero pregava no Catecismo menor; na quarta-feira, pregação no evangelho de Mateus; na quinta e sexta ele pregava nas Epístolas Gerais; e aos sábados, o grande reformador pregava no Evangelho de João [2]. E foi na prática lectio continua, ou seja, exposição continua da Bíblia que a reforma produziu muitos teólogos e igrejas biblicamente sólidas. A Escola Dominical, por exemplo, é uma criação dos evangélicos no século XVIII na Inglaterra que tantas bênçãos produziu aos ingleses e ainda hoje produz na sociedade mundial. Mas toda essa conquista histórica e que acabou por gerar a fama expressa por João Grilo que os protestantes são gente boa e bons de Bíblia, arrefeceu muito nas últimas décadas. Evangélicos de hoje diferentes dos protestantes do passado sabem mais sobre futebol, politica, religião, ciência e até de moda do que sobre a Bíblia. Essa mudança de postura é resultado de várias causas negativas que por sua vez resultaram em consequências desastrosas.

As Causas
  •  Desinteresse pela exposição sistemática da doutrina bíblica;
  •  Liderança despreparada moral e biblicamente;
  •  A crença na filosofia equivocada de que o amor une e a doutrina divide;
  •  Pregadores superficiais com fama de erudição por citar o grego ou usar uma Bíblia de estudo; e fama de unção por rodopiar, tremer a voz e falar em línguas;
  •  Vida piedosa desleixada sem leitura da Bíblia, oração ou jejum;
  •  Profetismo e declarações de vida vitoriosa dissociadas da verdade bíblica;
  •  A busca por fama, dinheiro e posição na sociedade;
  •  A Bíblia interpretada à luz da filosofia, ciência, cultura, conveniências e tendências do mundo moderno e não por ela mesma sob a iluminação do Espírito Santo que inspirou profetas e apóstolos;
As Consequências:
  •  Escândalos sem precedentes na história envolvendo evangélicos;
  • Escolas dominicais vazias de pessoas e de conhecimento bíblico;
  • Cultos de doutrina sem exposição clara e didática das verdades do evangelho como trindade, divindade e humanidade de Cristo, a personalidade do Espírito Santo, os dons e fruto do Espírito, a regeneração, a justificação, a eleição, a santificação e outras;
  • Livros, revistas, sites, blogs e facebooks evangélicos com informações bíblicas distorcidas e descontextualizadas da vida prática das pessoas;
  • Evangélicos com vergonha da pregação do verdadeiro evangelho;
  • Falta de clareza nas declarações e tomadas de posições de denominações evangélicas. Vive-se a época de agradar a gregos e troianos;
  • Cultos, campanhas e festas religiosas que mais parecem eventos sociais irreverentes e não um momento solene de louvor e adoração ao Senhor dos céus e da terra;
  • Pregações que alimentam o ego e a autoestima ao invés de anunciar que os seguidores de Cristo devem renunciar a si mesmos, tomarem sua cruz e segui-lo;

Referências Bibliográficas

[1] SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 34ª. ed. Rio de Janeiro: Agir Editora Ltda, 1999. p 187,188

[2] FERREIRA, Franklin. Os Servos de Deus. 1 ed. São Paulo: Editora Fiel, 2014. p 465

terça-feira, 6 de maio de 2014

COMO O FINITO (CRIATURA) PODE CONHECER O INFINITO (CRIADOR)?

Por Gildo Gomes



Deus é de cima e nós cá de baixo. Ele é infinito e nós somos finitos. E para complicar ainda mais, Ele é tremendamente santo e nós somos terrivelmente pecadores. Não é questão de distância espacial entre nós e Deus, e, sim, uma distância de natureza moral. Então como podemos conhecer aquele que está infinitamente além de nós?, ou seja, como o finito(homem) pode conhecer o infinito(Deus)? Herbert Spencer, um agnóstico, observou certa vez que nunca se viu um pássaro voar para fora do espaço. Com isso ele concluiu por analogia que é impossível o finito penetrar o infinito[1]. A observação de Spencer estava certa, mas sua conclusão esquecia de uma outra possibilidade: que o infinito pode penetrar o finito. E a Bíblia e a história mostra justamente isso: Que o Deus santo, poderoso, infinito revelou-se ao homem pecador, impotente e finito.

O livro de Gênesis nos diz logo no início que Deus era quem tomava a iniciativa para comunicar-se com Adão e não o contrário. E se não fosse assim Adão jamais poderia ter qualquer conhecimento do Deus criador. Como disse Jonh Stott: “Quando a mente humana começa a se preocupar com Deus, torna-se perplexa. Tateia na escuridão. Tropeça. Está perdida. Não é de estranhar que assim ocorra, porque Deus, seja quem for ou o que for, é um ser infinito e imortal, enquanto nós somos mortais e finitos. Ele está totalmente fora de nosso alcance. Desse modo nossa mente, que é um instrumento maravilhosamente efetivo em outros setores, não nos pode ajudar de pronto. Não pode subir a infinita mente de Deus. Não há escada. Existe apenas um vasto e imensurável abismo. “Porventura alcançarás os caminhos de Deus?” (Jó 11:7)[2]. Impossível. Esta situação assim permaneceria, se Deus não houvesse tomado a iniciativa de repara-la” [1]. Se o criador não decidisse falar com a criatura como a criatura poderia conhecer a vontade de seu criador? A bíblia diz: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR.” (Is 55:8).
Na mitologia egípcia quando os viajantes não conseguiam decifrar os enigmas da monstruosa Esfinge, eram logo mortos. Caso Deus, um ser infinito não se revelasse a nós humanos seres finitos, então nós estávamos destinados a mesma sorte e destino fatal. Porém, temos da parte de Deus o conhecimento suficiente para não ficarmos no escuro e nem na ignorância espiritual, visto que Ele enviou dos céus a terra tanto sua palavra escrita (a Bíblia) quanto sua palavra encarnada (Jesus Cristo). Porém muitos preferem ficar na indecisão cética de Pilatos que diante de Jesus perguntou: “Que é a verdade”?. Essa indagação tem sido debatida ao longo dos tempos por filósofos e teólogos. E se não houvesse uma fonte de autoridade além de nós e independente de nós, então tanto Pilatos, e os céticos modernos teriam razão em insinuar que não existe verdade e que portanto não haveria uma propósito final para a existência. Mas a verdade existe e o propósito existencial também. Se pelo menos compreendermos que tanto a pessoa histórica de Jesus  como a Bíblia enquanto documento falaram a verdade acerca dos acontecimentos históricos, comuns e sujeitos a investigação (a crucificação por exemplo), então poderemos concluir que Jesus e a Bíblia gozam da mesma credibilidade nos assuntos invisíveis e não sujeitos a investigação, como o perdão de pecados, por exemplo[3].
Deus revelou-se a humanidade para que a mesma conheça sua origem, sua identidade e seu destino. É por isso que Hebreus afirma: “Havendo Deus, antigamente, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos, nestes últimos dias, pelo Filho,  a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo.” (Heb 1:1-2).O texto diz que Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras. Podemos presumir pela bíblia que inicialmente Deus(o criador) revelou-se ao homem(criatura) de duas formas básicas: pela criação e pela consciência conforme os capítulos 1 e 2 de Romanos. A bíblia mostra-nos a glória de Deus apresentada na obra da criação. Como diziam os reformadores a criação é teatro de Deus. Em outras palavras a natureza com sua beleza, ordem e magnificência apontam para a grandeza de seu criador.“Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;” (Rm 1:19-20).
O Salmo 19:1-6 diz: “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite.  Sem linguagem, sem fala, ouvem-se as suas vozes  em toda a extensão da terra, e as suas palavras, até ao fim do mundo. Neles pôs uma tenda para o sol,  que é qual noivo que sai do seu tálamo e se alegra como um herói a correr o seu caminho.  A sua saída é desde uma extremidade dos céus, e o seu curso, até à outra extremidade deles; e nada se furta ao seu calor.” Ao mesmo tampo em que temos o testemunho externo da criação, temos ainda o testemunho interno da consciência humana. “Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os,” (Rm 2:14-15). Em resumo: externamente Deus revela-se através da natureza criada e internamente através da consciência de cada ser humano. Só que com a desobediência do homem (pecado), uma grande tragédia espiritual aconteceu com o gênero humano e o mesmo ficou destituído da glória, era preciso então uma revelação que não levasse em conta o caráter criador de Deus, mas também seu plano redentor. Até porque apesar da beleza da criação e da consciência aprovando ou acusando os atos humanos, era preciso evidenciar o amor, a justiça, a misericórdia e o plano de salvação divino. Toda a Sagrada Escritura escrita pelos profetas e apóstolos e a vinda de Jesus Cristo visava justamente a este propósito.


Referências Bibliográficas

[1] LITTLE. Paul E.  Você Pode Explicar Sua Fé?. 5 ed. São Paulo Editora Mundo Cristão, 1997.
[2] STOTT, John. Cristianismo Básico. 1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1964. p 10,11
[3] LUTZER, Erwin. 7 Razões para confiar na Bíblia. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 1997. p 57,58